"Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo..."

Thursday, October 25, 2007

Femme Fatale

(Créditos Imagem: Getty Images, by George Silk)

"Cause everybody knows that she is a femme fatale" (Lou Reed)

Ela tocou a campainha do apartamento 204 quando eram pouco mais de onze horas da noite. Guilherme demorou muito a abrir a porta. Estava tomando banho quando a campainha disparou a tocar. Ele saiu do banheiro com o cabelo molhado e de roupão preto e foi ver quem era. Assustou-se quando viu que era Paloma. Não esperava por ela. Ela foi logo entrando, analisando seu corpo de cima a baixo. Estava toda de vermelho. Vestido vermelho. Unhas vermelhas. Sandálias vermelhas. E pra completar, batom vermelho na boca. Parecia um vulcão, louca para entrar em erupção. E mais louca ainda estava pela possibilidade de parte da lava ser derramada no 204.
_O que você veio fazer aqui, Paloma?
_Nada de específico. Vim ver como você estava.
_Veio ver como eu estava assim, sem avisar?
_Hum, eu não sabia que precisava anunciar antes de vir. Não vai me oferecer nada pra beber?
_Quer beber alguma coisa?
_O que você tem de bebida?
_Uísque.
_Com gelo, por favor.
_Você acha que eu sou seu barman?
_Infelizmente não. Mas bem que você gostaria...
_Quer se sentar?
_Eu adoraria. Estava no banho?
_Você percebeu?
_Foi inevitável. Como está seu trabalho?
_Está bem.
Ele volta da cozinha e serve o copo de uísque à ela, que pergunta:
_Você não vai tomar nada?
_Não, obrigada.
_Ah, eu queria propor um brinde! Mas tudo bem, eu brindo sozinha!
E de modo solene, anuncia:
_À você, que acabou de sair do banho!
_O que você veio fazer aqui, Paloma?
_Ver como você estava. O que está achando do Flamengo, no campeonato? Que subida, hein?
_Paloma, você não veio aqui para tecer comentários sobre o campeonato brasileiro!
_Eu adoro o modo persistente como você tenta arrancar a verdade das pessoas...
_O que você quer?
_Sabe muito bem o que eu quero.
_Saberia, se você fosse mais clara.
_Ah estou sentindo uma dor nos pés. Vou tirar os sapatos. Tem algum problema?
_Problema nenhum.
_Então, como eu ia falando, você sabe o que eu quero.
_O que você quer? Dormir comigo?
_Não. Eu quero te apresentar à uma nova aura. Eu quero fazer você esquecer dos seus compromissos de amanhã. Eu quero te enlouquecer. Eu quero que você venha, me pegue e me leve pra onde você quiser!
_Você é louca...
_Louca por chocolate! Aliás, eu tenho uns aqui. Você aceita? Será que combina com o uísque? Bem, você não está tomando mesmo não é?
_Por que você faz as coisas desse modo?
_Porque este é o modo como as garotas más fazem! E eu sou má. Sou muito má.
_Você é má?
_Muito má. E você deve me punir pois eu tenho me comportado muito mal.
_Não cabe a mim te punir...
_Ah, mas foi pra isso que eu vim aqui. Sabe, eu estou à procura de um menino que saiba me punir da maneira correta. E meu corpo me dá todos os sinais de que você é esse menino!
_Menina, não brinca comigo!
_Eu não estou brincando. Eu nunca falei tão sério em toda a minha vida...
_É preciso coragem pra fazer o que você fez, de vir até aqui.
_A coragem que não falta a mim falta à você...
Guilherme silenciou. E olhou para Paloma, nesse momento, sentada no sofá acolchoado branco, com os pés no chão, o copo de uísque numa mão, a barra de chocolate na outra, a lhe lançar olhares devoradores. Então ela, como que num impulso louco de eletricidade acumulada, levanta do sofá:
_Eu vou embora. Já vi que você não quer ser apresentado à minha aura espiritual! Adeus!
Ela abre a porta e sai, com o chocolate numa das mãos e a sandália na outra. Guilherme pensa, reluta mas o ser homem fala mais alto e ele vai atrás dela, deixando a porta aberta. Consegue alcançá-la ao final do corredor.
Agora, são quase seis horas da manhã e a porta do apartamento 204 continua aberta...

(Porque há momentos em que nenhum lugar soa mais atraente que um cabaret da Paris de 1920... Flávia, texto dedicado à você. Pelo momento. E gracias à Christina, fonte de inspiração.)

Sunday, October 21, 2007

Os donos da noite

(Créditos Imagem: Getty Images, by Stephen Simpson)

...E naquela noite, você se tornou tudo aquilo que eu tinha sonhado milimetricamente. Todos os detalhes do seu ser me fascinam profundamente. A vida dava mais uma daquelas reviravoltas de 360º. Não há palavras suficientes para descrever o que senti. Caso houvesse, ainda assim elas seriam vagas porque foi uma dessas coisas que é mais que sentimento. É uma coisa suplementar. Brilhantemente doce e particularmente original. Impossível de se descrever em todos os sentidos do real porque nem é real. Está entre a tênue linha do sonho e da realidade, e isso dá todo um toque especial.
No fundo de minha mente, todos os segredos que compartilhaste comigo. Todas as senhas de suas memórias mais íntimas. A sua voz soando ao fundo de meus ouvidos, como uma melodia de Chopin. Calma e potente. Não sei se você sabe mas sua voz é dessas que fazem arrepiar. E que mudam de tom tal qual é a sua emoção no instante falado. Eu tremia por dentro, e desconhecia o porquê de tanta reação à sua presença.
O mundo lá fora se destruia e eu estava dentro de seus pensamentos, segura de todos os perigos. As pessoas corriam de um lado para o outro, apressadas em sua rotina e desinteressadas sobre questões vitais, mas você pegou na minha mão e me guiou pelo caminho correto. E era como não houvesse mais ninguém na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Só havia eu e você e aquela imensidão de cidade, com todos os seus prédios de arquitetura bela e relevância história e todos os seus contrastes de nação subdesenvolvida. Nós paramos num dos lugares mais movimentados e eu só ouvia o silêncio de sua alma elevada. Não era um silêncio de fim de carnaval, desses que incomodam ou amedrontam. Você vive na balada dos amores expressos da era global digitalizada mas sua alma é preenchida de um silêncio bom que à mim só remetem paz de espírito.
Então nos levantamos do banco dos enamorados e seguimos nosso caminho por entre os motoristas sem rumo, passando por vários lugares cheios de gente vazia de pensamento. Eu olhei para você em um segundo e pude perceber toda a plenitude ao redor de mim. Você diz que não é dono de seu futuro. Que o seu futuro é de quem quiser ajudá-lo a construí-lo. E eu lhe imagino daqui há 10 anos na Cidade-Luz com uma câmera na mão, filmando todos os pecados que acontecem nas esquinas mais lindas do mundo.
Num dado momento, eu olhei para o céu. A noite estava estrelada. Aquela noite era dona de si mesma e eu era a dona daquela noite. E eu, aos poucos, me derretia mais de ansiedade. Coisas de país tropical. Você queria que eu lhe levasse à algum lugar e eu só queria estar com você. Porque naquele instante que seguiu durante horas você era a única pessoa que realmente importava. Você era a única pessoa que realmente significava algo de diferente no meio de toda aquela insanidade de século XXI.
Nós subimos aquelas escadas como se cada degrau fosse um dia em que não estivemos juntos. Mas você estava lá agora. E eu estava lá também. Eu podia lhe ver. E você me via também. Eu lhe tocava. E você me tocava com um total conhecimento de meu corpo. Aquele calor vinha de mim e parava em você. E voltava de você pra mim, como num ciclo bioquímico louco de paixão. Eu não fiquei espantada em sentir tudo aquilo mas você se amedrontou pois era algo que não estava nos seus planos. Não com aquela menina. Não era certo. Mas quem distinguirá o que é certo do que é errado melhor que o coração da gente? E o seu coração lhe dizia para continuar lá. E você o obedeceu. Eu perdi todo o medo de viver. Você perdeu o medo de estar ali e passou a agir como se fosse o dono da noite. O dono do tempo. O dono de mim. Se essas questões de posse coubessem à mim, eu te faria dono de todo o universo para que eu o contemplasse a todo momento junto de você.
E daquele lugar onde estávamos ouvíamos um samba antigo de uma casa há alguns metros e a conversa sem compromisso de uns jovens entediados. E nem ligamos. Porque havíamos compreendido de que a noite havia sido generosa conosco e iria nos proteger de todos os contratempos. Então, eu senti o silêncio da sua alma evocar o silêncio da minha e contemplamos juntos a presença um do outro naquela noite especial, que nos fizera donos de nossos próprios impulsos e destemerosos de nossas próprias vontades. Nós fomos os donos da noite. E quem sabe, daqui há 10 anos, não estaremos juntos novamente fazendo nossa uma noite parisiense comum?

Monday, October 15, 2007

O Sorriso

(Créditos Imagem: Getty Images, by Tomek Sikora)


Ele me sorriu.
E eu desesperei.
Gelei.
Perdi o fôlego.
Porque o sorriso dele é um desses profundamente humano.
E escancaradamente tímido.
Minhas mãos suaram.
Minha atenção dispersou.
Meus olhos fugiram do foco.
Meu coração palpitou tanto que fez a alegria voltar ao lar.
Meu corpo esquentou na medida em que a ficha caiu.
Aquele sorriso tinha sido endereçado à mim.
Somente à mim e ao entorno de mim.
Jamais cogitei que receberia tal atenção.
E tamanha atenção dele!
Tentei achar significados.
Decodificar as mensagens por trás daquele esmero.
Pensei e repensei teorias.
E no meio do caminho, recordei algumas leis da física.
Que me fizeram pensar grande.
Pensar alto.
Pensar muito.
E de tanto pensar, quase enlouqueci.
Quando me dei conta, em uma fração de segundo,
O sorriso dele se fora.
Mas a lembrança permaneceu ali,
Dentro do meu baú particular de emoções secretas
E indiscretas.
Suspirei um tanto.
Chorei, temendo que ele tivesse me julgado grossa ou mal-educada.
Mal sabe ele que o seu sorriso me foi tão desconcertante que me fez perder o momento de agir.
No dia seguinte, ele me sorriu novamente.
Desta vez, não pensei.
Apenas sorri de volta.
E ele permaneceu sorrindo de lá.
E eu continuei sorrindo de cá.
E assim, entre dois sorrisos distantes em metros,
Mas próximos por intenção,
Começou uma história de amor.
A minha história de amor.


(Depois de uma longa ausência, preenchida pelo estudo de várias disciplinas quase que insignificantes porém necessárias.
E dedicado à ele, o dono do sorriso mais sincero do mundo. )