"Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo..."

Tuesday, March 20, 2007

Todas as vezes que não nadei

(Créditos Imagem: Getty Images, by David C. Ellis)

Por causa da atmosfera
Entrei em comoção
Perguntei o que eu era
E cheguei a uma conclusão
Não sou tudo o que julgava
Sou o que menos imaginava
O que os outros são
Já não me importava


Por mais que todos rezem
Não sou aquilo que querem
Sou aquilo que acho
No fim das contas
Perdi a conta
De quantas vezes não nadei em um riacho
Por tantas vezes pensar que não faço

(Sou o que sou. E gosto. E acho. E mudo. Viva este louco mundo!)

Sunday, March 11, 2007

O Girassol

(Créditos: Getty Images, by Adam Jones)

Você me trouxe um girassol
E me falou de futebol
Eu tomei o Paracetamol
Quando ouvimos um rouxinol
Eu coloquei o cachecol
Para vermos o pôr-do-Sol
Acabamos por nos confundir no lençol

Saturday, March 03, 2007

Um Eclipse no Céu


Ela está sentada em seu quarto, de frente para a sua penteadeira. Está penteando os longos cabelos castanhos e cacheados. Os envolve num coque no lado da cabeça com a ajuda de grampos. Das caixas de som do computador sai o som de trance que ela tanto ama. Sua mãe não suporta, diz que aquilo é só barulho e que um dia ela há de ficar surda. Para ela, a música eletrônica é como se fosse o silêncio que ela nunca presencia por viver num mundo barulhento demais.
Lá fora, todas as estrelas iluminam o céu e a lua cheia reina poderosa. Mas esta noite é especial. Hoje é noite de eclipse total da lua, que graças à excelente visibilidade, será visível para quase todo o país. Este será seu primeiro grande evento astronômico. Já vira uns dois eclipses lunares parciais, mas este será o primeiro total. Ela está ansiosa mas finge pouco caso, como se isso não fosse uma grande coisa.
A janela está aberta e de onde está sentada, ela vigia o avanço do Sol sobre a Lua. É emocionante. Nessas horas percebemos o quão misteriosa é a vida e imaginamos quantas coisas mais não acontecem universo afora. Nos damos conta da velocidade do tempo e de nossa impaciência perante ele. Nos damos conta do tamanho do planeta em que vivemos. Nos lembramos das lições básicas de astronomia aprendidas na 5ª série. Ou foi na 4ª? Isso não faz diferença. O importante é que nessas horas lembramos dos processos de rotação e translação. E fixamos este aprendizado, que tardar alguns anos, estaremos transmitindo aos nossos filhos quando chegar a hora deles presenciarem um eclipse.
Mas não é só o espetáculo que ocorre no céu que povoa a mente dela. Ela pense nele. Pensa de maneira diferente de como pensava anteontem. Hoje, ela não sente só desejo. Ela acha que sente uma pontinha de amor. E lá no fundo de sua mente, por mais que ela saiba que é irreal ou improvável, e que isso não esteja em seus planos pessoais, ela sente a vontade de estar no lugar da namorada dele. Só por hoje. Só para poder estar completando o eclipse junto com ele. Estar com as mãos seguras nas mãos dele. Tocar os lábios dele de vez em quando. Ela suspira quando pensa nisso e tenta se concentrar em seu cabelo novamente. É difícil. Esse tipo de sentimento não manda recado pelo carteiro avisando que está de chegada. Ele simplesmente chega e só vai embora quando é de sua vontade. Ou quando fazemos muito esforço para que ele vá. Mas o que ela não se conforma é: por que esse sentimento tinha que ser por um menino comprometido? Coisas da vida.
E ela também assume que pouco faz para resistir aos encantos dele. Gosta da voz dele, gosta da risada dele, gosta da frieza dele, gosta do cabelo dele, gosta das opiniões dele, gosta das pernas dele... E também gosta de provocá-lo, de ser gentil, de ser do jeito que é. Porque ela já percebeu que ele a vê de um jeito diferente do que vê suas outras amigas, que também são amigas dele. Pode não vê-la do mesmo modo como ela o vê, mas há uma coisa subentendida ali, ainda sem definição sobre o que realmente representa.
O eclipse segue. O sol já toma grande parte da superfície lunar, e um tom avermelhado é visível se observarmos com atenção, por trás do branco do nosso satélite natural. E ela também segue lembrando dele. Imaginando se liga para ele amanhã para comentar o resultado do jogo de futebol do time de ambos ou se fala pela internet. Imaginando o que ele está fazendo nesse instante. Imaginando quanto tempo mais essa paixão vai durar. Porque, segundo o dicionário, não há definição melhor para o que ela sente. Paixão é nutrir uma afeição intensa, é sentir desejo, é ter um amor ardente. Ainda sem fantasias românticas e sonhos impossíveis, já efeitos do amor.
Ela levanta da cadeira e pára na janela. Observa atentamente o fenômeno que ocorre no céu. Agora, a Lua está praticamente toda coberta e muda de um tom avermelhado para um tom cinzendo, com fundo brando em segundos. Ela sabe que está é uma imagem para se fixar na cabeça, pois ela dura muito pouco em comparação à intensidade com que ocorre. Ela pensa que mais pessoas devem estar apreciando o eclipse sem serem notadas, como ela. Apesar disso, sua paixão já foi notada por todos há muito tempo. Ela não queria que todos tivessem percebido, acha que isso pode atrapalhar. Na verdade, no fundo ela teme que nada aconteça e que as coisas continuem como antes. Mas enquanto observa a Lua mudar de cor, ela relaxa. E pensa que as paixões são como os eclipses. Elas podem durar pouco, porém são sempre intensas, o que dá origem à momentos marcantes, que se tornam boas recordações. As paixões, assim como os eclipses, acontecem mais ou menos repentinamente. Nós sabemos que eles podem acontecer a qualquer instante mas tentamos não pensar nisso, só que quando nos damos conta de que eles estão bem próximos de nós, não sabemos o que fazer. Ela queria que ele estivesse ali. Já que ele não está, nada melhor para substituir um beijo sob um eclipse do que a contemplação do próprio.


(hoje foi dia de eclipse no céu...)