"Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo..."

Friday, December 21, 2007

O Teto Baixo do Apartamento

(Créditos Imagem: Getty Images por Lynn Johnson)

Acordei repentinamente, depois de dormir nem 6 horas seguidas. Tive um sonho estranho, que misturava lembranças da infância, brincadeiras de roda e uma psicodelia um tanto artificial. Ao primeiro suspiro do dia, percebi que era um daqueles dias onde a dor de viver é mais explícita que qualquer movimentação de placa tectônica. Era um daqueles dias em que a gente quase acorda chorando. Levantei da cama de uma vez, e sem perceber, circulei por todos os cômodos do apartamento em questão de segundos. Reapareci em consciência na sala de estar, a xícara de café cor-de-abóbora numa mão, uma revista de cinema na outra, os sentidos sem saberem qual mão atender primeiro. Joguei me sem pensar na poltrona e olhei para a gravura de Medusa na parede, que me lembrou uma outra criatura mitológica. Qual é mesmo o nome daquele cão de três cabeças? Ou ele é só aparece nos livros do Harry Potter? Então, da poltrona olhei para o teto do apartamento. Ele me parecia tão baixo. Naquele instante senti que quando eu me levantasse, encostaria a cabeça no teto. Levantei-me e isso não aconteceu. Mas o teto ainda parecia mais baixo. Alucinações de uma manhã ensolarada. Saí de casa sem ver as horas porque precisava ir ao centro da cidade. Próximo à Estação do Metrô, há uma loja de milk-shakes. Há um senhor que todas as manhãs toma um milk-shake. E ele é tão imponente. Usa uma casaca azul-escuro e um chapéu de judeu. Mas ele não parece um judeu. Parece mais um maestro. Mas há tantos maestros judeus, como Daniel Barenboim. Ele pode ser mais um deles. No entanto, para mim, ele é apenas o Senhor Lírico e Imponente que Gosta de Milk-Shakes. O metrô foi tão rápido que logo estava no meio daquelas lojas cheias de manequins sem cabeça. De um lado, a moda que aparece na novela das 21h. De todos os cantos, o som que vinha das caixas de alto-falantes daquela rua comercial. Por um instante perdido, quase pensei nele. E por pouco não me senti apaixonada. Entrei numa cafeteria e pedi um cappuccino. Lá dentro tinham quadros de Elvis Presley e Tom Jobim. O rei do rock com o rei da Bossa. Elvis é para o sexo, Jobim para o amor. Ou se preferir, Presley ocupa-se com os quadris e Tom com o coração. O metrô foi tão rápido quanto na ida. Passei por uma daquelas lojas de espelho e me vi refletida de várias maneiras, mas nenhum deles me refletiu como sou de fato. Como diria vovó, os espelhos Deus inventou para que nos iludissemos com coisas pequenas e esquecêssemos a tragédia do mundo. Aliás, o que vovó estaria fazendo naquele instante? Provavelmente tricô. Entrei no elevador junto com um adolescente. Ele assobiou uma música que não pára de tocar no rádio. Abri a porta de casa e encontrei Penélope entretida em seu próprio ócio. Incrível a capácidade de minha gata de distrair-se com o nada! Voltei a poltrona do início da manhã. Minha mão novamente pegou a revista de cinema. Meus olhos novamente passearam por suas informações. Foi quando subitamente uma voz interna disse:
_O que eu preciso mesmo é sair de casa!_ e ao terminar de pronunciar o último fonema, eu mesma pensei: pura ilusão. Pensei nisso para não pensar no seu corpo. Sentia falta dos seus olhos me vigiando. Sentia falta de seu beijo. Sentia falta de seu toque. E sentia que você também sentia falta de não poder sentir nada daquilo. Mas tudo bem. Se você encontrar alguém aí que saiba tocar o seu corpo como eu, não diga nada. Apenas feche os olhos e sinta. Eu deixo. E então olhei pro teto novamente. O teto definitivamente estava baixo naquele dia.

(ouvindo o primeiro disco da Fernanda Porto enquanto olho meu próprio teto.)

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