"Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo..."

Sunday, August 17, 2008

A Detalhista Desconhecida


Okay, ela me lançou um olhar. Uma mulher dessas me lançou um olhar. E ela continua me olhando. O que ela pretende com isso? Eu não tenho idéia. Mas eu estou fazendo o jogo dela. Eu a olho do mesmo jeito. Não, talvez o meu olhar seja um pouco mais devorador. Mas também não é tão intrigrante quanto o dela. Ela está sentada sozinha. Com certeza está esperando alguém? Ou não? Estará ela como eu, uma pessoa solitária em um bar? Como posso saber? Eu daria tudo para entrar nos seus pensamentos agora. Tudo. Porque há alguns momentos que podem valer uma vida inteira. Esse é um momente desses. Mas eu não me aproximarei dela. Ela deve estar esperando alguém e eu não quero correr o risco de ser surpreendido por um outro cara. E nem gosto de mexer com mulheres comprometidas. Só que essa mulher, ela tem alguma coisa diferente. Ela parece saber mais do que todas as outras pessoas. Ela continua me olhando e ri enquanto olha, como se soubesse algum segredo meu ao qual eu mesmo ignoro. Será que bebi demais?
"Senhor, aquela senhora pediu para lhe entregar isso."
Hã? Como? Quem pediu? Aquela mulher? A minha admiradora nada secreta? Oh céus, onde isso vai parar? E que bebida é essa? Nunca vi nada igual, é azul-turquesa. E tem um bilhete, em papel cor-de-rosa. Nossa, uma mulher que anda com papéis para bilhetes cor-de-rosa na bolsa de mão. Vamos ver o que está escrito:
"Para fazer par aos seus olhos."
A bebida é boa, um pouco doce, parece laranja. Lembra um licor ao qual não me recordo o nome. Bem, ela é original. E meus olhos são dessa cor? Quer dizer, eu sei que eles são azuis. Mas são deste tom de azul? Será que até isso ela reparou milimetricamente? Talvez eu esteja lidando com uma detalhista desconhecida. Detalhista desconhecida. Gostei dessa expressão. D.D. Até dá para fazer sigla. Mas quem precisa de uma sigla para isso? E ela continua olhando. Depois somos nós, os homens, que não disfarçamos! Ela se veste bem. O roxo do vestido combinou com o tom moreno de sua pele. Está bronzeada de sol. Será uma rata de praia? E que argolas imensas! Valorizaram seu rosto. Será que daqui consigo ver seus sapatos? Ah, consigo. São prateados, da mesma cor da argola. Até sua roupa é diferente. Será que ela trabalha com moda? Pode ser. Fashionistas têm um olhar arrogante, como o dela. Mas o dela é só um pouquinho arrogante. Ela se levantou. Não é tão alta quanto eu imaginava. Eu realmente gostei do vestido dela. Alguma coisa na figura dela me lembra Audrey Hepburn, apesar de as duas não se parecerem nada fisicamente. O quê? Ela está vindo na minha direção? Não, isso não está acontecendo. Nossa, isso está acontecendo comigo? Sim, isso definitivamente está acontecenco comigo! Pelo visto, tenho sido um bom menino...
"Posso me sentar?"
Nossa, que voz! Um tom um pouco rouco mas absolutamente confiante:
"Fique à vontade."
"Qual o seu nome?"
"Nicolas."
"Muito prazer, Nicolas. Eu me chamo Alice."
"O prazer é todo meu, Alice In Wonderland."
"Já leu o livro?"
"Não, só vi o filme."
"Como a maioria das pessoas. Os dois são bons. Mas acho o filme alucinógeno demais para o público infantil."
"Um pouco."
"Escute, eu tenho 15 minutos até o cara com quem eu estou saindo chegar."
"É seu namorado?"
"Não, é apenas um cara com quem estou saindo."
"O que é aquilo que você me mandou para beber?"
"Curaçau. É um tipo de licor oriundo das Antilhas Holandesas, feito de cascas de laranja."
"Onde descobriu isso?"
"Na Holanda. Escute, eu posso lhe fazer algumas perguntas?"
"Claro que pode."
"Responda a primeira coisa que lhe vier à cabeça, não precisa ficar pensando numa resposta elaborada."
"Okay."
"Comprometido?"
"Não."
"Cerveja ou champagne?"
"Cerveja."
"Para qual time de futebol você torce?"
"Sociedade Esportiva Palmeiras."
"É de São Paulo?"
"Nasci lá."
"Estampa xadrez ou listrada?"
"Listrada."
"Seios ou bunda?"
Deus, o que essa mulher pretende com esse monte de perguntas aleatórias? Será algum tipo de jogo? É claro que é algum tipo de jogo. Mas eu estou pensando demais antes de responder essa pergunta. Justo essa, uma pergunta tão fácil de responder para mim:
"Seios."
"Beatles ou Rolling Stones?"
"Stones."
"Mick Jagger ou Keith Richards?"
"Jagger."
"Havaianas ou tênis Adidas?"
"Tênis Adidas."
"Ótimo, agora complete minha próxima frase."
"Diga."
"George Bush é..."
"Um idiota de marca maior!"
"Excelente. Você foi bem, de um modo geral. Tirando a parte do Palmeiras, todas as outras são aceitáveis."
"Por que tirando a parte do Palmeiras?"
"Porque o Palmeiras é o time equivalente ao Vasco em São Paulo. E eu odeio o Vasco."
"Flamenguista?"
"Não."
"Botafoguense?"
"Porque o Fluminense é sempre a última opção dada pelas pessoas?"
"Porque talvez seja o menor time do Rio..."
"Não é, mas de qualquer forma, é o meu time."
"Por que o Palmeiras é equivalente ao Vasco em São Paulo?"
"Porque é tetra-campeão, só venceu uma Libertadores, e tem o Corinthians como rival equivalente ao Vasco com o Flamengo no Rio."
"Mas o Corinthians também é tetra."
"Roubado."
"Como sabe tanta coisa de futebol?"
"Meu pai trabalha com isso. Sabe, eu gostei de você."
"Eu gostei mais de você."
"Duvido! De qualquer forma, daqui a cinco minutos o Dan vai chegar e eu quero estar esperando por ele. Então, vamos fingir que isso não aconteceu, está bem?"
"Por quê? E se eu quiser te ver de novo?"
"A vida é feita de encontros, embora haja tantos desencontros nessa vida."
"Vinícius de Moraes."
"Exatamente. Acredite nisso. Eu preciso voltar à minha mesa agora."
"Tudo bem."
Ela se levantou. Eu sabia que não seria tão fácil. Uma mulher linda e fascinante dessas não é fácil assim. O que você estava esperando? Que ela lhe convidasse para ir à um motel com ela? Só nos seus sonhos. Mas esse vestido realmente fica bem nela... ei, eu tenho uma pergunta a lhe fazer! Ela já se sentou de volta. E a qualquer momento o tal de Dan pode chegar. Será que é bonito? Deve ser. Por que tantas perguntas? Me senti como se estivesse num programa de entrevistas. Ou quem sabe, a situação foi outra e eu não me dei conta. Eu fui a presa. Isso é certo. Mas isso não está certo. Eu quem deveria conquistá-la! Eu quem deveria ter ido até a mesa dela! Só que eu estava assustado demais pela presença dela. Sim, assuma Nicolas, você foi a presa e ela foi a caçadora. E por que eu não consigo olhá-la novamente, como estávamos fazendo antes? Eu não estou com vergonha. Não posso estar. Ou estou? O que essa mulher que eu nunca vi fez comigo? Eu acho que vou embora...
"Senhor, aquela senhora pediu para lhe entregar isso."
De novo?! O que será que está escrito dessa vez?
"Ah, garçom, você pode trazer a minha conta?"
Mais um bilhete em papel cor-de-rosa. Tenho certeza que guardarei esses bilhetes. Certeza. Mesmo que eu odeie acumular papéis, esses são dignos de um destino decente. Vamos ver:
"Esse é o meu número. Me ligue quando quiser. Mas não ligue hoje. Nem amanhã. Beijo.
P.S. Luxemburgo no Palmeiras? Sei não..."
Nossa, e ela ainda faz comentários de futebol. Que mulher é essa? Deus, me diga, de onde essa mulher saiu? Ela não pode ser desse planeta. Ela deve ser de Urano. Ou de Saturno, que é um planeta espalhafatoso.
"Senhor, a sua conta."
Ah, a conta. O melhor é pagar, ir embora, chegar em casa e tentar entender o que foi isso. Mas eu queria saber o que ela faz. Vou escrever um bilhete. Mas eu não tenho um papel aqui. Eu tenho o papel da conta. Será que tem problema?
Eu estou de saída. Se você trabalhar com moda, passe a mão no cabelo no momento em que eu passar pela sua mesa.
Eu paguei e me levantei. Fiz uma horinha para dar tempo do garçom entregá-la. Um segundo depois o tal Dan chegou. Bonitão. Deve ter uns 40 anos quase. Mais velho que eu, então. E os tênis dele são Nike. Ela prefere os Adidas. Quer dizer, eu acho que prefere. Mas deve preferir mesmo. Se preferisse Nike, faria a pergunta usando tênis Nike, e não tênis Adidas. Vamos lá Nicolas, você está quase passando pela mesa dela. Olhe para ela. Olhe disfarçadamente. Apenas veja se ela passará a mão no cabelo. Agora, vamos, olhe. Ela passou a mão no cabelo! Ela trabalha mesmo com moda! Minha intuição estava correta ou o olhar dela que realmente tinha alguma arrogância? Tanto faz. Eu só sei que esses últimos momentos todos valeram uma vida.


p.s. nem um pouco apaixonada e ouvindo Amy Winehouse incessantemente.

Saturday, June 28, 2008

Quando o sentido está nas vírgulas

(Créditos: Getty Images, por Martin Poole)

Como assim eu estou pensando em você sem parar? Como assim, se eu fiquei dois anos só te dando 'oi' por educação? Como assim, se você sempre estudou numa sala ao lado da minha e só agora isso é uma agonia pra mim? Sei lá. Dessas coisas que acontecem e a gente nunca vai saber porquê. Eu morro de medo de me apaixonar. Fato. E eu estou morrendo de medo de me apaixonar por você. Porque você parece perfeito demais e ninguém é tão perfeito assim. Porque tem mil meninas querendo ficar com você e eu tenho raiva de todas elas. Porque você é vascaíno. Sim, você é vascaíno do tipo chato, que implica com rubro-negro e do tipo fofo, que encanta rubro-negra de coração distraído. E eu fico procurando sentido nas vírgulas das frases dos recados que você deixa pra mim.E eu fico procurando motivo na entonação das palavras que você diz naquele mesmo tom desencanado de sempre, que em seguida, vira o sorriso mais lindo do mundo. E eu fico procurando o seu olhar pra cruzar com o meu no meio daquele pátio imenso. Igual quando nossos olhos se encontraram na roda dos loucos e aqueles cinco segundos duraram toda uma eternidade, que terminou por constranger nós dois, que sorrimos sem graça e olhamos pro chão. E eu esqueço de pensar em mim pra pensar em você. E eu sigo seus passos e tento fazer leitura labial da sua conversa com outras pessoas. E fico buscando mais coisas em comum do que todas aquelas que nós já temos. E a cada nova, eu me encanto mais. Como você pode gostar de rock bom, ser totalmente contra atos de crueldade nos animais, ter aquela mesma opinião em comum e achar que 'Pulp Fiction' é tão essencial quanto 'Laranja Mecânica'? Quando eu sonhei com você um dia achei que tinha sido curiosidade. Quando sonhei com você pela segunda vez achei que era coincidência. Quando passei a sonhar com você em quase todas as noites vi que era mágica. Eu sei que você mudou. E deve ser por isso que eu gosto de você só agora. Eu não mudei tanto assim de uns tempos pra cá mas será que dá pra você gostar de mim, assim desse jeito que eu sou? Ou será que você pode me dar um sinal que não fique assim tão subentendido? Ah, e você podia me elogiar menos também? Não, eu não quero isso, eu quero que você me elogie mais, e mais, e que você me elogie e me dê um beijo todos os dias, e quem sabe assim, eu paro de sonhar com o seu beijo e perder minutos imaginando como ele deve ser. Eu não sei quanto tempo isso vai durar, mas te digo que eu fugia com você hoje. E deixava você tocar bateria o dia inteiro sem reclamar. E assistia jogo do Vasco feliz da vida. E esquecia de todos os outros meninos que já me deixaram sem fôlego pra tirar o seu fôlego. E aprendia a matemática que eu não sei pra poder te ensinar. Eu só queria ficar contigo e deixar a ocasião e a situação fazerem o resto. Eu só queria que essa paixão, que agora me parece tola, se concretizasse por três milésimos de segundo. Ou melhor, por cinco segundos. Porque eu já sei que os cinco segundos com você duram toda a eternidade. E pra lembrar do Nando Reis, eu trocaria a eternidade por uma noite cheia de relâmpagos e raios com você. É só falar.

p.s. ouvindo Raiz do Sana só pra pensar mais em você.

Thursday, April 10, 2008

Todos os Devaneios de uma Garota


Era uma tarde cheia de peculiaridades. As águs de Março mostravam-se mais reais e menos metafóricas do que aquelas outrora descritas por Antônio Carlos Jobim. Uma epidemia tropical assustava a população e preocupava os políticos naquele que era um ano eleitoral. Em Londres, a Seleção Brasileira revivia as memórias do passado ao enfrentar um tradicional rival de Copas do Mundo. A Lua estava em Escorpião. levando uma intensidade misteriosa à percepção das pessoas.
Ela estava no terraço de um dos prédios mais altos daquela pequena cidade. Lá em cima via-se toda a orla marítima, os carros parados por conta do sinal vermelho e as pessoas andando apressadas. Ele tinha marcado com ela ali, mas ainda faltavam 15 minutos para o horário que tinham combinado. Chegou cedo, como era de seu costume. Usava aquela saia de que tanto gostava comprada em um brechó da Bélgica e estreiava blusa e par de brincos negros. Não gostava de usar preto durante o dia, mas escolhera aquela roupa sem analisar muito.
Daqui a pouco ele estaria ali. Se quatro semanas atrás lhe dissessem que teria um encontro marcado com ele não acreditaria. São esses rumos inesperados que a vida toma que dão graça à todas as coisas. Se bem que ele não era o primeiro, nem o segundo surfista com quem se envolvia naquele primeiro trimestre do ano. O que os adoradores de ondas têm que a deixam tão fascinada? Pode ser o jeito tranquilo de levar a vida, os planos futuros mirabolantes que sempre terminam em alguma praia do Hawaii, o bom gosto para música ou o charme natural inerente deles. Na verdade, eram todos esses fatores conjuntos que volta e meia faziam um domador de ondas cruzar seu caminho. Ele tinha tudo isso e algo mais que ela não era capaz de descrever. Já faziam alguns dias desde que tinham se beijado pela primeira vez e ela ainda estava impressionada com o magnetismo físico que tiveram. Ele tinha um poder estranho sobre seu corpo, como se os dois já tivessem vivido algo parecido em uma vida passada. Quem sabe. Ele ainda não mexera com seus sentimentos românticos mas tinha deixado seus cinco sentidos em estado de curto circuito. O beijo dele era diferente, o toque dele era diferente, o sussuro dele era diferente... ele sabia exatamente o que fazer e escolhia sempre o momento certo para tal, fosse para beijr sua barriga ou lhe fazer um elogio encantadoramente doce. E esse menino nem tinha idade o suficiente que lhe permitisse dirigir legalmente.
Então, o telefone dela tocou. Ela atendeu e ouviu a voz marcante dele perguntar: "onde você está?" Ela se retirou da mesa aonde estava e foi ao encontro dele. Ele tocou de leve os seus lábios e foi comprar os ingressos para o filme ao qual os dois não queriam assistir realmente. É inevitável quando se vai ao cinema acompanhado cheio de outras intenções que não prestar atenção na trama do filme. Eles entraram na sala e sentaram-se isolados dos outros. Ele tocou em seu rosto e lhe beijou calorosamente ao mesmo tempo em que as luzes se apagaram. Era o sinal de que aquele era o momento certo para deixar de pensar e simplesmente sentir.
(coisas que acontecem na vida...)

Wednesday, March 12, 2008

Só para dar sinal de vida.

Leitores (se é que vocês existem mesmo).

Perdoem-me pela ausência e obrigada pelos elogios no post anterior.
As atividades são muitos e os poucos minutos que me restam são preenchidos de uma inspiração dispersa, distraída, que se esvai quase no mesmo momento em que chega. Estou sentindo vibrações outras, sentimentos outros e estou absorvendo todos, a fim de canalizar para algo mais consistente e quem sabe, mais profundamente humano, para citar uma expressão da Lispector.
Se tudo der certo, volto à minha rotina de blogueira em algumas semanas.
Enquanto isso, vou refletindo sobre mundos de fantasia, momentos de tensão, cenas de filme de Hollywood em pleno ônibus, regras de futebol, aquecimento global, leis da física, acordes do Led Zeppelin e personalidades de amigos. E vou me dando conta de uma coisa: quanto mais eu vivo, menos eu entendo o que realmente é viver.


Beijos a todos vocês que passarem por aqui.

Wednesday, January 02, 2008

Entre Dunas e Garrafas de Cerveja...

(O Pôr-Do-Sol que nõs vão vimos porque estávamos ambos com muita preguiça de subir)


...eu lhe vi. Você estava ali, distraído. Depois descobriria que a distração é sua característica mais marcante, e que, aliada a sua timidez, se torna a face mais encantadora de toda a sua personalidade. Você usava uma camisa do Botafogo. Mas como pode isso? Você não é gringo? Você deveria usar uma camiseta do Bayern de Munique, do Borussia Dortmund, do Werder Bremen, ou melhor, do Colônia! Mas lá estava você usando uma camisa de um time rival ao meu. Se eu não viesse a te conhecer tão bem, apostaria que era só obra do destino para me provocar, mas logo percebi que era apenas uma coincidência mal-planejada. Então, veio a parte mais engraçada: surfista? Como assim, surfista? Ele não mora às margens do rio Reno? Sim, você mora às margens do rio Reno e quer que inventem alguma máquina que faça ondas gigantes no doce Reno para que você não precise ir até o litoral holandês ou tenha de pegar um avião para sentir a natureza em sua forma mais rústica. E o seu jeitinho me conquistou instantaneamente. Os seus óculos escuros de aro marfim. O despenteado do seu cabelo. O tom vermelho-rosado que a sua pele assumiu. Mas eu precisava de mais de você. Eu não me contento só com um bom papo. Eu preciso de confissões, de segredos compartilhados, de risadas inventadas e viagens programadas. E claro, de intimidade singular. E eu tive tudo isso contigo. E quero que você saiba: nem sempre eu fui essa menina que você chamou de segura. Eu sei o que é insegurança e sei tão bem que ouvir as suas paranóias e os seus pequenos complexos de gente que não é mais criança, nem é adulto ainda (emitidas com um pequeno sotaque germânico) me tocaram tão profundamente que, por um momento, pensei que fosse cair em lágrimas. Ali estávamos nós sendo afetados pela parte mais difícil do nosso maravilhoso signo. Eu com todas as lembranças em mente e você achando que era o único a se sentir assim. Mas se eu me afetasse demais pelas coisas trazidas de volta e começasse a chorar, você não saberia o que fazer e eu precisava lhe ajudar. Então, eu fiz o que sei de melhor. Te relaxei com minhas mãos de fada, como diria a Gigi, e deixei você falar bem de Freud e mal das temperaturas negativas. E acho que até te fiz esquecer temporariamente o seu trabalho sobre aquele livro que você diz ser chatíssimo. Eu queria mais de você e você me interrompeu num instante no qual nenhum outro menino ousaria sequer emitir uma respiração afobada demais. E no fundo, você sempre esteve com a razão. O que são 60 minutos de intensidade corporal quando se pode ter mais de 50 anos de boas histórias? Nada. Aos poucos, minha memória apagaria isso e a sua também, e toda a magia se perderia no ar. Mas agora, nós temos a memória em branco, pronta para ser colorida por momentos cheios de brasilianidade germânica. Aliás, ela já está sendo colorida aos pouquinhos porque você riu de mim quando o meu salto ficou preso. E eu ri de você porque você não sabia falar 'Arabian' da maneira correta. E eu acabei bebendo cerveja contigo. E lhe contei dos meus amantes. E nós ainda arrumamos tempo para sermos avaliadores de pizzarias locais e conselheiros sentimentais de pré-adolescentes um tanto envolvidos por seus hormônios inquietos. E sabe qual será a imagem que vou gravar de ti? Nós dois deitados sob o Sol, ouvindo o barulho das folhas dos coqueiros, conversando sobre o que vinha à mente e dava vontade de falar. Só sei que aprendi contigo mais do que meia dúzia de palavras em alemão. Acho que, no final desse ano que inicia agora, eu verei que você foi a personificação do que o Cosmos deseja para mim nos próximos 363 dias: tranquilidade, serenidade, e se possível, algum amante perdido. Sei que te adorei. E sei que você me deve uma cerveja. Ah, Immanuel Kant nasceu na Prússia, em Kaliningrado. Tudo bem, não é Alemanha. Mas tampouco é França! Acho que alguém me deve duas cervejas...





(ouvindo 'Other Side of the World', KT Tunstall. E o ano começou melhor do que o imaginado... Ah, claro, todas essas palavras são para você.)

Friday, December 28, 2007

14 Perguntas Até o Inferno

(Créditos Imagem: Getty Images, by Andy Sacks)


O que dizer quando chegar lá? Não sei. Apenas dizer.
Mas como? De algum jeito, naturalmente.
Como agir naturalmente numa situação dessas? Agindo por impulso.
Como calcular impulsos? Às vezes, penso que viver é um atrevimento tão grande que vira um impulso.
Será uma hora para atrevimentos? Também. Mais do que tudo, será uma hora para sentimentos.
O que eu sinto, afinal? Não sei definir, mas sinto.
O que é melhor: sentir algo ou sentir apenas? A primeira alternativa mos coloca no céu ou no inferno, a segunda alternativa nos coloca num abismo. Me atiro para o desconhecido ou relaxo em terras tropicais? Os sábios incentivam a curiosidade mas há certas coisas que eu não quero saber.
Sou fraca demais ou egoísta ao extremo? Sou um ser de carne, osso, músculos e inspirações.
Por que eu tenho de fazer isso? Porque é o que deve ser feito.
Por que escolher feri-lo ao invés de escolher me ferir? Saírei ferida e despedaçada de qualquer jeito.
Melhor sentir remorso ou sentir culpa? Ambos nos colocam no fundo do buraco da existência.
Falar a verdade ou a mentira? O que for mais fácil.
O que dizer quando chegar lá? Apenas diga que não o amam mais.
Eu subi as escadas. Eu toquei a campainha do apartamento dele. Ele me atendeu com um sorriso lindo no rosto. Eu disse que estava ali para... apenas para lhe dar um beijo. Nós entramos no apartamento. E eu continuei no inferno.

(Dedicado à: Milena, Carla, Bárbara e Flávia. Por virarem a página e acharem o branco. E por terem feito o meu ano de 2007 mais feliz!)

Friday, December 21, 2007

O Teto Baixo do Apartamento

(Créditos Imagem: Getty Images por Lynn Johnson)

Acordei repentinamente, depois de dormir nem 6 horas seguidas. Tive um sonho estranho, que misturava lembranças da infância, brincadeiras de roda e uma psicodelia um tanto artificial. Ao primeiro suspiro do dia, percebi que era um daqueles dias onde a dor de viver é mais explícita que qualquer movimentação de placa tectônica. Era um daqueles dias em que a gente quase acorda chorando. Levantei da cama de uma vez, e sem perceber, circulei por todos os cômodos do apartamento em questão de segundos. Reapareci em consciência na sala de estar, a xícara de café cor-de-abóbora numa mão, uma revista de cinema na outra, os sentidos sem saberem qual mão atender primeiro. Joguei me sem pensar na poltrona e olhei para a gravura de Medusa na parede, que me lembrou uma outra criatura mitológica. Qual é mesmo o nome daquele cão de três cabeças? Ou ele é só aparece nos livros do Harry Potter? Então, da poltrona olhei para o teto do apartamento. Ele me parecia tão baixo. Naquele instante senti que quando eu me levantasse, encostaria a cabeça no teto. Levantei-me e isso não aconteceu. Mas o teto ainda parecia mais baixo. Alucinações de uma manhã ensolarada. Saí de casa sem ver as horas porque precisava ir ao centro da cidade. Próximo à Estação do Metrô, há uma loja de milk-shakes. Há um senhor que todas as manhãs toma um milk-shake. E ele é tão imponente. Usa uma casaca azul-escuro e um chapéu de judeu. Mas ele não parece um judeu. Parece mais um maestro. Mas há tantos maestros judeus, como Daniel Barenboim. Ele pode ser mais um deles. No entanto, para mim, ele é apenas o Senhor Lírico e Imponente que Gosta de Milk-Shakes. O metrô foi tão rápido que logo estava no meio daquelas lojas cheias de manequins sem cabeça. De um lado, a moda que aparece na novela das 21h. De todos os cantos, o som que vinha das caixas de alto-falantes daquela rua comercial. Por um instante perdido, quase pensei nele. E por pouco não me senti apaixonada. Entrei numa cafeteria e pedi um cappuccino. Lá dentro tinham quadros de Elvis Presley e Tom Jobim. O rei do rock com o rei da Bossa. Elvis é para o sexo, Jobim para o amor. Ou se preferir, Presley ocupa-se com os quadris e Tom com o coração. O metrô foi tão rápido quanto na ida. Passei por uma daquelas lojas de espelho e me vi refletida de várias maneiras, mas nenhum deles me refletiu como sou de fato. Como diria vovó, os espelhos Deus inventou para que nos iludissemos com coisas pequenas e esquecêssemos a tragédia do mundo. Aliás, o que vovó estaria fazendo naquele instante? Provavelmente tricô. Entrei no elevador junto com um adolescente. Ele assobiou uma música que não pára de tocar no rádio. Abri a porta de casa e encontrei Penélope entretida em seu próprio ócio. Incrível a capácidade de minha gata de distrair-se com o nada! Voltei a poltrona do início da manhã. Minha mão novamente pegou a revista de cinema. Meus olhos novamente passearam por suas informações. Foi quando subitamente uma voz interna disse:
_O que eu preciso mesmo é sair de casa!_ e ao terminar de pronunciar o último fonema, eu mesma pensei: pura ilusão. Pensei nisso para não pensar no seu corpo. Sentia falta dos seus olhos me vigiando. Sentia falta de seu beijo. Sentia falta de seu toque. E sentia que você também sentia falta de não poder sentir nada daquilo. Mas tudo bem. Se você encontrar alguém aí que saiba tocar o seu corpo como eu, não diga nada. Apenas feche os olhos e sinta. Eu deixo. E então olhei pro teto novamente. O teto definitivamente estava baixo naquele dia.

(ouvindo o primeiro disco da Fernanda Porto enquanto olho meu próprio teto.)