"Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo..."

Friday, December 28, 2007

14 Perguntas Até o Inferno

(Créditos Imagem: Getty Images, by Andy Sacks)


O que dizer quando chegar lá? Não sei. Apenas dizer.
Mas como? De algum jeito, naturalmente.
Como agir naturalmente numa situação dessas? Agindo por impulso.
Como calcular impulsos? Às vezes, penso que viver é um atrevimento tão grande que vira um impulso.
Será uma hora para atrevimentos? Também. Mais do que tudo, será uma hora para sentimentos.
O que eu sinto, afinal? Não sei definir, mas sinto.
O que é melhor: sentir algo ou sentir apenas? A primeira alternativa mos coloca no céu ou no inferno, a segunda alternativa nos coloca num abismo. Me atiro para o desconhecido ou relaxo em terras tropicais? Os sábios incentivam a curiosidade mas há certas coisas que eu não quero saber.
Sou fraca demais ou egoísta ao extremo? Sou um ser de carne, osso, músculos e inspirações.
Por que eu tenho de fazer isso? Porque é o que deve ser feito.
Por que escolher feri-lo ao invés de escolher me ferir? Saírei ferida e despedaçada de qualquer jeito.
Melhor sentir remorso ou sentir culpa? Ambos nos colocam no fundo do buraco da existência.
Falar a verdade ou a mentira? O que for mais fácil.
O que dizer quando chegar lá? Apenas diga que não o amam mais.
Eu subi as escadas. Eu toquei a campainha do apartamento dele. Ele me atendeu com um sorriso lindo no rosto. Eu disse que estava ali para... apenas para lhe dar um beijo. Nós entramos no apartamento. E eu continuei no inferno.

(Dedicado à: Milena, Carla, Bárbara e Flávia. Por virarem a página e acharem o branco. E por terem feito o meu ano de 2007 mais feliz!)

Friday, December 21, 2007

O Teto Baixo do Apartamento

(Créditos Imagem: Getty Images por Lynn Johnson)

Acordei repentinamente, depois de dormir nem 6 horas seguidas. Tive um sonho estranho, que misturava lembranças da infância, brincadeiras de roda e uma psicodelia um tanto artificial. Ao primeiro suspiro do dia, percebi que era um daqueles dias onde a dor de viver é mais explícita que qualquer movimentação de placa tectônica. Era um daqueles dias em que a gente quase acorda chorando. Levantei da cama de uma vez, e sem perceber, circulei por todos os cômodos do apartamento em questão de segundos. Reapareci em consciência na sala de estar, a xícara de café cor-de-abóbora numa mão, uma revista de cinema na outra, os sentidos sem saberem qual mão atender primeiro. Joguei me sem pensar na poltrona e olhei para a gravura de Medusa na parede, que me lembrou uma outra criatura mitológica. Qual é mesmo o nome daquele cão de três cabeças? Ou ele é só aparece nos livros do Harry Potter? Então, da poltrona olhei para o teto do apartamento. Ele me parecia tão baixo. Naquele instante senti que quando eu me levantasse, encostaria a cabeça no teto. Levantei-me e isso não aconteceu. Mas o teto ainda parecia mais baixo. Alucinações de uma manhã ensolarada. Saí de casa sem ver as horas porque precisava ir ao centro da cidade. Próximo à Estação do Metrô, há uma loja de milk-shakes. Há um senhor que todas as manhãs toma um milk-shake. E ele é tão imponente. Usa uma casaca azul-escuro e um chapéu de judeu. Mas ele não parece um judeu. Parece mais um maestro. Mas há tantos maestros judeus, como Daniel Barenboim. Ele pode ser mais um deles. No entanto, para mim, ele é apenas o Senhor Lírico e Imponente que Gosta de Milk-Shakes. O metrô foi tão rápido que logo estava no meio daquelas lojas cheias de manequins sem cabeça. De um lado, a moda que aparece na novela das 21h. De todos os cantos, o som que vinha das caixas de alto-falantes daquela rua comercial. Por um instante perdido, quase pensei nele. E por pouco não me senti apaixonada. Entrei numa cafeteria e pedi um cappuccino. Lá dentro tinham quadros de Elvis Presley e Tom Jobim. O rei do rock com o rei da Bossa. Elvis é para o sexo, Jobim para o amor. Ou se preferir, Presley ocupa-se com os quadris e Tom com o coração. O metrô foi tão rápido quanto na ida. Passei por uma daquelas lojas de espelho e me vi refletida de várias maneiras, mas nenhum deles me refletiu como sou de fato. Como diria vovó, os espelhos Deus inventou para que nos iludissemos com coisas pequenas e esquecêssemos a tragédia do mundo. Aliás, o que vovó estaria fazendo naquele instante? Provavelmente tricô. Entrei no elevador junto com um adolescente. Ele assobiou uma música que não pára de tocar no rádio. Abri a porta de casa e encontrei Penélope entretida em seu próprio ócio. Incrível a capácidade de minha gata de distrair-se com o nada! Voltei a poltrona do início da manhã. Minha mão novamente pegou a revista de cinema. Meus olhos novamente passearam por suas informações. Foi quando subitamente uma voz interna disse:
_O que eu preciso mesmo é sair de casa!_ e ao terminar de pronunciar o último fonema, eu mesma pensei: pura ilusão. Pensei nisso para não pensar no seu corpo. Sentia falta dos seus olhos me vigiando. Sentia falta de seu beijo. Sentia falta de seu toque. E sentia que você também sentia falta de não poder sentir nada daquilo. Mas tudo bem. Se você encontrar alguém aí que saiba tocar o seu corpo como eu, não diga nada. Apenas feche os olhos e sinta. Eu deixo. E então olhei pro teto novamente. O teto definitivamente estava baixo naquele dia.

(ouvindo o primeiro disco da Fernanda Porto enquanto olho meu próprio teto.)

Friday, December 14, 2007

Estado de Êxtase Inexistente

(Créditos Imagem: Getty Images por Richard Dunkley)



_Para onde vamos hoje, Johnny?
_Vamos fugir deles.
_Fugir para onde? Não há lugar para onde fugir?
_Deve haver algum lugar.
_Por que você não se conforma de uma vez? Não há como mudar isso.
_Pode ser que sim. Mas prefiro acreditar no contrário disso.
_Então, eu não vou brincar de desfile de moda contigo hoje?
_Infelizmente não, baby. Hoje vamos brincar de outra coisa no caminho.
_De quê?
_De chefe e secretária. Eu dou as ordens e você obedece.
_Será um prazer cumprir suas ordens.
_Sem ironias, Belle.
_A ironia foi uma das poucas coisas boas que nos restaram. Não imponha-se contra ela.
_Você deveria ser menos irônica e pensar mais no sentido literal de nossa situação.
_Por que eles não fabricam roupas criativas como antes?
_Baby, Alexandre Herchcovitch está morto há mais de um século.
_Eu sei disso. Mas será possível que nós não fazemos nada que preste durante três terços de um dia?
_Somos da geração dos grandes falsários, Não esqueça disso. E agradeça por eles não estarem atrás de gente agora.
_Nessas horas eu entendo você. E até sinto vontade de buscar o fim dessa obra idealizadamente falsa. Mas como?
_Era isso o que eu queria ouvir. Eu não sei como. Mas é melhor pensar sobre isso do que nem pensar.
_Por que nós não agimos mais como se não soubéssemos quem fez isso tudo?
_Porque nós sempre soubemos. Ninguém fez isso tudo. E dessa descoberta saiu a loucura na qual nos encontramos.
_Escute Johnny, eu não sei se você faz planos ou não, e se você me inclui ou não nesses planos. Mas eu estou tranquila porque mesmo que dê errado, ao menos é uma boa viagem.
_Você definitivamente está nos meus planos. Se Deus existisse, eu diria que ele te colocou nos meus planos. E se o Inferno existisse, eu te levaria pra lá para passarmos férias.
_Há milhões de pessoas sem vida por aí. E nós dois temos vida.
_Exato. Então, nós podemos fazer o que quisermos.
_Nós podemos matar alguém sem culpa.
_Nós podemos assaltar uma loja de perucas.
_Nós podemos contratar uma prostituta sem medo.
_E pedir que ela nos faça sexo oral ao mesmo tempo.
_Como se isso fosse possível.
_Tudo é possível quando o tempo nem existe, não se esqueça.
_Claro. E nós ainda lhe daríamos as coordenadas: baby blonde, faça mais forte...
_Baby blonde, faça mais rápido.
_Baby blonde, faça com mais doçura.
_Baby blonde, apenas faça e nos deixe em estado de êxtase inexistente.

(Isto não é alguma coisa. Isto é nada. Isto é resultado da audição incessante de Chemical Brothers. E talvez, apenas talvez, isso seja um diálogo de Matrix esquecido pelos Wacholksi que de alguma forma veio parar na minha doce mente.)

Tuesday, December 04, 2007

Estado de Inércia Natural

(Créditos Imagem: Getty Images, by Annie Collinge)

Se eu acordo cedo, pouco muda. Se eu acordo tarde, o mundo continua. Mas que mundo continua se esse mundo nem existe realmente? Para quê eu acordo afinal? Isto não está em minhas mãos. Já devia ter me conformado com esta situação. O que me incomoda mais aqui: a falta de autonomia ou a falta de realidade? Nem consigo vê-las como consequência uma da outra. Na minha vida (ou qualquer interação imaginária entre moléculas imaginárias, que seja) isso seria de qualquer ângulo a causa, não a consequência. Como fomos chegar à esse estado inexistente tanto no sentido figurado quanto no literal? Quando foi que acenderam a luz do quarto? Quando foi que nos tiraram a visão de infravermelho? Não compreendo mais nada desde sempre. Será que esse estado era o atingido por eles antes? Será que foi pensando em algo assim que aquele escritor que jamais existiu inventou aquela história onde o personagem depois de morto narrava suas próprias memórias? Nem posso me recordar qual era seu nome inventado porque minha memória nunca existiu. Mas não pode ter sido isso pois eu acho que ainda não morri. Na verdade, temo ainda nem ter nascido. Que estado de transição mais longo esse então! Só posso pensar então que, se isso ainda não me matou, não deve ser de todo ruim. Talvez isso me deixe mais forte. Eu precisava de alguém com quem conversar agora. Devo preencher o agora fazendo algo de bom pra mim pois minha lista de afazeres para os outros já está cheia desde ontem Quando foi ontem? Não posso pensar sobre o ontem nem tenho tempo para esperar pelo amanhã. Por que ainda não me acostumei a eliminar essas expressões temporais? Já é sabido de todos que o tempo é um só, imutável. Ele é mais do que uma hora, mais que duas horas, mais que três horas, mais do que o nunca. Eu só sei que precisava estar aqui. E de qualquer forma, eu não posso pensar mais sobre essas questões porque meu pensamento já se esgotou enquanto novos dilemas existenciais não param de surgir. Eles surgiram no momento anterior à esse, e surgirão no momento posterior à esse. Mas ninguém ainda pensou em extinguir o trabalho. Ah se aquele homem que inventou as teorias trabalhistas e concluiu que este sistema era uma porcaria pudesse voltar. Ou até ele terá sido uma breve ilusão intelectual? Só sei que é noite porque eles já acionaram o apito geral. E desde a sirene do apito que eu estou aqui. Esperando que eles me acordem. Enquanto isso, sigo no meu estado de inércia natural.


(ouvir Daft Punk em demasia causa isso.)