"Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo..."

Friday, April 06, 2007

Volta às escuras

(Créditos: Getty Images, by Stephanie Rausser)


Era início de noite na cidade do Rio de Janeiro. Laura e Vinícius estavam na Linha Vermelha, rumo à zona sul da cidade. Saíam do Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, onde Vinícius fora buscar Laura, que retornava de uma temporada na Espanha. Durante os três anos anteriores à viagem, os dois namoraram. Fazia um ano os dois não se viam. Quando Laura comunicou que estava retornando ao Brasil, Vinícius lhe mandou um email perguntando se poderia ir buscá-la no aeroporto. Mesmo não tendo idéia sobre como ficaria o romance dos dois a partir de então, Laura aceitou a proposta. Assim que saiu no saguão de desembarque, ela o avistou. Ela repara que ele não tinha mudado muito. O cabelo castanho-ondulado curto ainda era despenteado, a barba ainda era por fazer e ele ainda calçava um tênis Adidas branco comprado num brechó de Nova York. Quando ele a reparou, sua expressão facial demonstrou surpresa; Laura havia mudado. Os seus cabelos, outrora castanhos na altura do rosto, agora tinham um tom dourado e desciam aos ombros. As argolas que tanto gostava de usar agora eram de plástico, não mais de metal. As botas de couro pretas foram trocadas por botas de camurça lilás. Mas seus olhos azuis-esverdeados continuam os mesmos, concluiu ele no final, após análise geral sobre a viajante que acabara de desembarcar.
Assim que entraram no carro, iniciaram uma conversa breve. Ela perguntou como estavam os pais dele. Ele disse que estavam bem. Depois, Vinícius perguntou como tinha sido a viagem. Laura respondeu que ela tinha dormido durante a maior parte. Por fim, ele disse que ela continuava tão linda quanto antes. Ela agradeceu. E o silêncio invadiu o veículo.
Os dois já estavam há uns cinco minutos na tão temida Linha Vermelha, quando as luzes da estrada se apagaram. Á princípio, os dois temeram internamente que fosse alguma armação criminosa mas depois constataram que provavelmente era algum problema na rede elétrica. O escuro começava a penetrar no carro e o silêncio ainda se fazia presente, quando Vinícius o interrompeu:
_O que aconteceu lá na Espanha?
_Muitas coisas_ disse ela
A interrupção foi definitiva. A partir da resposta de Laura, Vinícius emitiu outra pergunta, e assim os dois iniciaram um diálogo:
_Coisas boas ou coisas ruins?
_Coisas de todos os jeitos.
_Como assim de todos os jeitos?
_De todos os jeitos: coloridas, triangulares, sujas, inodoras, circulares.
_Você visitou muitas exposições de arte em Barcelona?
_Muitas.
_Decidiu-se então, sobre a questão de o maior pintor espanhol ser Salvador Dalí ou Pablo Picasso?
_Não. Mas ainda gosto de ambos.
_Aconteceram coisas eróticas nessa viagem também?
_Sim.
_Com muitos?
_Nem tanto.
_Espanhóis?
_Europeus.
_Não seriam os espanhóis naturalmente europeus?
_Sim, assim como os franceses e os alemães.
_Viajastes para França e Alemanha?
_Só para a França.
_Algum outro país?
_Portugal e Itália.
_Comprou muitas coisas?
_Comprei livros, sapatos, bolsas e revistas de palavras-cruzadas.
_O que trouxe para os seus pais?
_Trouxe dois livros de receita para a minha mãe. E um jogo de xadrez pintado de forma expressionista para o meu pai. E uma camisa oficial do Barcelona para o meu irmão.
_Qual modelo? O verde-fosforecente ou o listrado original?
_O original. Aquele verde-fosforecente é pavoroso.
_Foi assistir a algum jogo?
_Sim, alguns.
_Assistiu Real Madrid x Barcelona?
_Não. Foi em Madrid.
_Comemorou a conquista da Liga dos Campeões?
_Sim.
_De que maneira?
_Bebi até cair.
_Trouxe algo para mim?
_Claro que trouxe.
_O quê?
_Surpresa.
_Você pensava em mim?
_Sim.
_Todos os dias?
_Quase todos.
_O que fazia nos dias em que não pensava em mim?
_Transava com outros.
_Se envolveu de verdade com algum deles?
_Não. Era só sexo e diversão.
_Se sentiu carente alguma vez?
_Muitas vezes.
_Por que só me ligou três vezes?
_Porque a tarifa é muito alta.
_Se você conheceu outros homens, por que não se apaixonou?
_Já sou apaixonada por um.
_Por quem?
_Por você.
_Ainda?
_Sim.
_Acredita se eu disser que também sou apaixonado por você?
_Mesmo que você não me pedisse para acreditar, eu acreditaria.
_Sério?
_Sim.
_Você quer voltar?
_Quero!
_Imaginou que a nossa volta seria às escuras?
_Jamais. Mas acontece.
_Aconteceu na Espanha?
_Não.
_Você me ama?
_Amo. E você, me ama?
_Amo.
E os dois seguiram para a zona sul às escuras, vendo mais as estrelas do que as construções ao redor da estrada, com um silêncio menor que antes, sentindo o coração mais alegre e mais solto que antes.

(texto feito para um trabalho de português. Postado aqui para não perder a viagem.)

3 Comments:

  • At 4:20 AM, Anonymous Anonymous said…

    Muito bom esse conto seu, Annáááá...

    Hahuhaz.. Vai gabaritááá

    Bjuz mininááá

    E trate de postar mais vezes, oks??

    Bjuzzz

     
  • At 1:16 PM, Blogger Sylvia de Sá said…

    Nossa, sem noção de como fico feliz quando vejo teu blog atualizado!
    Sabe que sou fã, né!?

    Adorei o texto... teu estilo é ótimo. Eu consigo, claramente, visitar todos os lugares por onde você passa durante o texto.
    Parabéns, again!

    Tô com muitas saudades de escrever... abandonei isso aqui.
    Não sei o porquê da falta de inspiração... acho que é, principalmente, falta de tempo. Tô estagiando agora. Aí já viu a correria, né!?

    Atualize mais! Please! =)

    Beijo grande! Tudo de bom ae!

    Sylvia

     
  • At 4:09 PM, Blogger Carla Moraes said…

    Anna..
    Estva lendooo a revista Época hoje.. aí estava lá: Mande seu conto para gente ke publicaremos os melhores... algoo assim..

    Aí eu ia falar pra ti.. pra c manda u seu.. só ki quandoo fui ver a data tava lá:

    ..até o mês de março...



    Vaciloooo kra...


    Dexah pra próxima..


    Bjuz nináááá...

     

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